Sair da casa dos meus pais aos 17 anos parecia algo grandioso. Eu, enfim, crescera, e agora seria dona de mim e da minha vida. Grande decepção, não demorou muito a perceber que eu tive uma criação maravilhosa e que meus pais já haviam dado meu nariz para mim mesma há anos. Mudar de casa só me trouxe roupa para lavar e muita saudade. Eu continuava, contudo, incapaz de resolver qualquer coisa sem pedir que o meu pai opinasse ou fazer um leite-com-nescau que fizesse a espuminha no ponto exata: e que estivesse nem quente demais, nem frio. Aos 19 anos, fui morar em outro país. Era o que na época eu poderia imaginar como sendo o momento crucial da virada da minha pacata – e bêbada – vida adolescente para a vida adulta. Lusitano erro: quanto mais longe eu ficava das minhas raízes, mais delas eu carecia, mais medo o mundo me dava. Tremenda experiência: eu tinha sofrido mais do que nunca na pele o que é ter que se virar com pouco, com estranhos, com a vida. Mas eu ainda podia ligar para o papai, pedir uma opinião, sonhar com o nescau da minha mãe e saber que, enfim, “estamos indo de volta pra casa”. Começar a trabalhar também me trouxe a sensação de que, ok, aquilo era impassível de retrocesso: fodeu, agora eu sou mesmo adulta. E eu aprendi a duras penas que é muito mais difícil dar aula de ressaca do que assistir uma nas mesmas condições. Tudo bem, a cerveja foi me deixando aos poucos. Mas os conselhos do meu pai ainda estavam ai, lado a lado o leite da minha mãe e a proteção do meu irmão. Eu estou cansada como nunca estive antes. Hoje, tenho a impressão que o mundo vai girando e eu, nesse moinho de Cartola, estou sendo sugada. Pasmem: não dói. Eu estou incrivelmente cansada e morrendo de medo de tudo, e mesmo assim, crescer não dói tanto. Hoje alguns alunos me pedem conselhos (e eu tento pensar no que meu pai diria: pego o que ele diria, filtro um pouco, tiro a pida e digo: aqui está o meu conselho). Hoje alguns amigos precisam da minha proteção: às vezes, a forte tem que ser eu. É isso, então, crescer. Não é só pagar as minhas contas e nem achar que o tempo passou depressa demais: crescer parece agora uma poesia do Rilke: linda, mas impossível de entender. Tudo bem, faz parte do universo dos adultos fingir, ora ou outra, que está tudo bem. É isso: parece que não vai dar certo, parece que está tudo errado, parece que falta um pouco de tudo que a sua vida foi tirando, surrupiando silenciosamente, de você. Mesmo assim, não dói. Crescer não dói quando a gente sabe que o leite com espuma da minha mãe ainda está lá, interminavelmente único, incapaz de reprodução.
Crescer (não) dói.

“Mesmo com tantos motivos pra deixar tudo como está, nem desistir, nem tentar, agora tanto faz, estamos indo de volta pra casa!”
Puxa, Marcella, eu amo essa música de paixão e o teu texto me trouxe até a melodia dela … que delícia de texto, que delícia o leitinho da tua mãe e os conselhos do teu pai, que delícia estar em casa! Já tive a mesma sensação, mas crescer doeu um pouquinho, mas foi uma dor boa, dor de cicatrização, de algo que ficará melhor ainda …
Hoje, já com meus filhos e o maridão, percebo que a dor pode ir além, tão gostosa quanto … daí que o leitinho é o meu, os conselhos também são os meus, os quarenta e pouquíssimos anos não me pesam, mas me fazem lembrar ainda mais dos meus pais, vemos a história se repetindo …
E isso não é bom? Lógico que é! É ótimo quando a história é boa, histórias boas duram para sempre, não têm idade, assim como nós …
Beijos e adorei o seu texto! Na minha modesta opinião, o melhor até agora! É que eu sou canceriana, né … kkkkk
Veja a música Não vou me adaptar – Nando Reis. Ilustra bem 😉